Apelo dos Guarani-Kaiowá ecoa na comunidade internacional
Cinco mil cruzes foram colocadas em frente ao Congresso na sexta-feira, em protesto que simboliza a morte dos índios
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Em cartas públicas, populações indígenas pedem que seja
decretada sua "morte coletiva" em vez de emitida ordem de despejo. O
problema de demarcação de terras que existe desde os anos 70 ganhou
atenção internacional.
Nas últimas semanas, documentos assinados por integrantes do povo
indígena Guarani-Kaiowá que vive no Mato Grosso do Sul circularam na
imprensa e nas mídias sociais. O mais comovente deles foi divulgado no
início do mês, em resposta a uma ordem judicial de reintegração de posse
de uma fazenda no município de Iguatemi. A carta assinada por indígenas
Guarani-Kaiowá da comunidade de Pyelito Kue pede que a justiça decrete a
"morte coletiva" dos indígenas em vez da expulsão de seu território
tradicional.
Assim como esse grupo, outros também procuram formas de tornar
público o longo processo de demarcação de terras. O grupo Guarani-Kaiowá
de Passo Piraju, por exemplo, divulgou uma carta na última semana em
que detalha a situação do assentamento que existe há 12 anos nas margens
do rio Dourados, no Mato Grosso do Sul.
"É para decretar a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Passo
Piraju e para enterrar-nos todos aqui, somente assim, não
reivindicaremos os nossos direitos de sobreviver. Esta é a nossa última
decisão conjunta diante da decisão da Justiça Federal do Tribunal
Regional da 3ª Região (TRF-3) São Paulo-SP", diz trecho da carta.
Nesta quinta-feira, a organização de defesa dos direitos indígenas
Survival International divulgou um comunicado pedindo "o mapeamento
urgente de todas as terras Guarani e que lhes seja permitido permanecer
em suas terras antes que mais vidas sejam perdidas".
A imprensa chegou a falar de um possível suicídio coletivo, mas nota
divulgada na noite desta terça-feira pelo Conselho Indigenista
Missionário (Cimi) alerta para a interpretação equivocada da posição dos
indígenas. Os Kaiowá e Guarani falam em morte coletiva (o que é
diferente de suicídio coletivo) no contexto da luta pela terra, ou seja,
se a Justiça e os pistoleiros contratados pelos fazendeiros insistirem
em tirá-los de suas terras tradicionais, estão dispostos a morrerem
todos nelas, sem jamais abandoná-las, diz o documento, que reflete
preocupação da entidade com uma possível onda de alarmismo que pode ser
mais prejudicial para os grupos indígenas.
Em entrevista à DW, Cleber Buzatto, secretário-executivo do
Cimi, diz que o manifesto reflete o desejo daquela população indígena de
defender seu direito à terra. "No nosso entendimento, a carta reafirma a
decisão coletiva da comunidade de não sair mais uma vez da terra
tradicional pela qual eles vêm lutando nas últimas décadas", disse.
Segundo dados da Fundação Nacional do Índio (Funai), até 2010, 43 mil
Guarani-Kaiowá haviam sido registrados. Eduardo Backer, advogado da ONG
de direitos humanos Justiça Global, disse que o caso dos Guarani-Kaiowá
de Pyelito Kue representa a retomada de território e "é um processo de
resistência na tentativa de implementar uma política pública de
demarcação que não está sendo feita pelo Estado".
Problema histórico
"A demarcação de terras é um problema histórico no Brasil, mas especificamente no Mato Grosso do Sul é um problema muito grande e acaba gerando uma série de outros problemas: confinamento, aumento dos índices de suicídio e violência", explica Eduardo Backer, ao lembrar que alguns processos de demarcação já duram 20 ou 30 anos.
"A demarcação de terras é um problema histórico no Brasil, mas especificamente no Mato Grosso do Sul é um problema muito grande e acaba gerando uma série de outros problemas: confinamento, aumento dos índices de suicídio e violência", explica Eduardo Backer, ao lembrar que alguns processos de demarcação já duram 20 ou 30 anos.
Um artigo do Guarani-Kaiowá Tonico Benites, mestre e doutorando em
Antropologia Social do Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), publicado nesta segunda-feira no site da Justiça Global
no Brasil, faz um levantamento dos aspectos históricos ligados à
demarcação. "Iniciativas de articulação e luta de várias lideranças
Guarani e Kaiowá para retornar aos antigos territórios começaram a
despontar no final da década de 1970", diz o texto.
O advogado Eduardo Backer ressalta o poder dos grupos políticos e do
agronegócio, predominantes no Estado, e atribui a demora na resolução
dos impasses à ação dessas forças. "A proximidade do poder político e de
grupos econômicos interessados na preservação de uma determinada
estrutura fundiária que favorece a perpetuação de seu poder econômico e
político acaba impossibilitando a demarcação desse território sob o
argumento falso de que se perderia a capacidade econômica do Estado",
alerta.
Violência e morte
Para Cleber Buzatto, a demora nos procedimentos de demarcação potencializa situações de violência entre integrantes de um mesmo grupo, suicídio entre jovens e violência por parte de grupos armados comandados, segundo ele, por fazendeiros. "Os Guarani, cansados de aguardar pela ação do Estado, promovem eles próprios ações que chamam de retomada como uma estratégia de tentar fazer com que o Estado se movimente de uma forma um pouco mais ágil", afirmou Buzatto.
Para Cleber Buzatto, a demora nos procedimentos de demarcação potencializa situações de violência entre integrantes de um mesmo grupo, suicídio entre jovens e violência por parte de grupos armados comandados, segundo ele, por fazendeiros. "Os Guarani, cansados de aguardar pela ação do Estado, promovem eles próprios ações que chamam de retomada como uma estratégia de tentar fazer com que o Estado se movimente de uma forma um pouco mais ágil", afirmou Buzatto.
Informações repassadas à DW pelo Cimi revelam uma situação
tensa no Estado, que já registra centenas de processos de conflitos
entre indígenas e latifundiários. Em todo o País, mais da metade dos
registros de morte violenta de indígenas ocorre entre o grupo
Guarani-Kaiowá. O Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas 2011,
do Cimi, registra 503 assassinatos de indígenas entre 2003 e 2011 no
país. Desses, 279 são de Guarani-Kaiowá. Dados do Distrito Sanitário
Especial Indígena (DSEI), da Secretaria Especial de Saúde Indígena do
Ministério da Saúde, dão conta de 555 casos de suicídio desse grupo
entre 2000 e 2011.
Outro tipo de violência, dessa vez contra lideranças indígenas,
também causa preocupação, segundo Eduardo Backer. "Já há vários mortos,
principalmente pela atuação de pistoleiros e fazendeiros", disse, ao
lembrar que muitas lideranças estão hoje em programas de proteção da
Secretaria Nacional de Direitos Humanos.
Preconceito e conservadorismo
Apesar de ser uma garantia constitucional, a preservação de território indígena ainda não recebe apoio amplo da sociedade brasileira. "É importante que a comunidade tenha ciência desses fatos e apoie os Guarani-Kaiowá no sentido de sensibilizar o governo brasileiro para agilizar os procedimentos de demarcação das terras", ressalta Cleber Buzatto.
Apesar de ser uma garantia constitucional, a preservação de território indígena ainda não recebe apoio amplo da sociedade brasileira. "É importante que a comunidade tenha ciência desses fatos e apoie os Guarani-Kaiowá no sentido de sensibilizar o governo brasileiro para agilizar os procedimentos de demarcação das terras", ressalta Cleber Buzatto.
Para Eduardo Backer, além das forças políticas e econômicas
regionais, há o que classificou de conservadorismo e preconceito de
parcela da sociedade brasileira que, segundo sua visão, defende um
processo de aculturação que "impede que esses povos vivam de acordo com
seus modos de vida tradicionais".
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